Vista como a grande aposta para a reindustrialização da Bahia e expansão da mobilidade elétrica no Brasil, a instalação da fábrica da montadora chinesa BYD em Camaçari tem enfrentado uma trajetória conturbada.
Após anúncios bilionários e expectativas de geração massiva de empregos, o projeto acumula atrasos e denúncias graves de irregularidades trabalhistas, enquanto a produção local integral foi adiada para o fim de 2026.

O complexo industrial ocupa a área da antiga fábrica da Ford, adquirida pela BYD por R$ 287,8 milhões. Inicialmente, a montadora anunciou investimentos de R$ 3 bilhões, ampliados para R$ 5,5 bilhões em março de 2024, para erguer três unidades fabris voltadas à produção de veículos elétricos, híbridos e também de chassis de ônibus elétricos.
A expectativa é alcançar capacidade de até 150 mil veículos ao ano na primeira fase.No entanto, os planos de iniciar a montagem de carros em 2024 foram frustrados por uma série de problemas. Em maio deste ano, o secretário estadual do Trabalho informou que a produção integral só deve ocorrer em dezembro de 2026, e que, até lá, a fábrica deve operar no regime SKD (Semi Knocked Down) — montando veículos a partir de peças semiacabadas importadas.
> “A operação plena, com todas as etapas de produção nacionalizadas, ficou para o fim de 2026”, afirmou o secretário
Além de atrasos logísticos e climáticos, a BYD foi alvo de uma grave investigação trabalhista. Em novembro de 2024, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu inquérito sobre condições degradantes no canteiro de obras.
Em dezembro, uma operação conjunta do MPT, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério do Trabalho encontrou 163 trabalhadores chineses vivendo em condições análogas à escravidão: jornadas de até 12 horas, sem equipamentos de proteção, água potável e alojamentos precários.
Após o escândalo, a BYD rompeu contrato com a empreiteira chinesa responsável pela obra, realocou os trabalhadores em hotéis e contratou uma construtora brasileira para dar continuidade ao projeto. A empresa também criou um comitê interno de compliance para fiscalizar condições de trabalho e moradia no local.
> “A empresa não tolera violações de direitos humanos e está tomando todas as medidas cabíveis”, declarou a BYD em nota oficial divulgada em janeiro.
Apesar dos percalços, as obras seguem em ritmo acelerado. A fábrica opera atualmente com cerca de 800 trabalhadores, com previsão de chegar a 1.200 ainda em 2025. No pico da produção, a montadora prevê a geração de 10 mil empregos diretos e até 20 mil indiretos, segundo projeções do governo estadual.
Além da planta industrial, a BYD constrói cinco prédios residenciais próximos à fábrica, destinados principalmente a abrigar técnicos chineses, com capacidade para mais de 4 mil pessoas. A medida faz parte da estratégia para manter mão de obra especializada enquanto a produção local ainda está em fase inicial.
A chegada da montadora é vista como crucial para o futuro econômico da Bahia, especialmente após o encerramento das atividades da Ford, que deixou um vazio econômico na região metropolitana de Salvador. Porém, sindicatos e entidades trabalhistas alertam que a prioridade agora é garantir que o processo de industrialização respeite direitos trabalhistas e humanos.
Enquanto isso, a montadora mantém o discurso otimista. O CEO da BYD América Latina declarou recentemente que o Brasil será “a base mais importante de produção da BYD fora da China”, destacando o potencial do país para expandir o mercado de veículos elétricos.
O governo estadual acompanha de perto o cronograma e as investigações, afirmando que a instalação da BYD ainda é estratégica para fortalecer a economia local. Contudo, o caso se tornou um símbolo dos desafios que a indústria global enfrenta ao expandir operações para novos territórios, equilibrando inovação, custos e responsabilidade social.